segunda-feira, 26 de dezembro de 2011




Este texto é antes de tudo um desabafo, mas também uma maneira de expor o que consideramos ser um desrespeito com o artista e seu trabalho, cujo principal desejo é se expressar e se conectar com o outro através da sua arte.

                                                                                                                             
Se na esfera privada sabemos que em geral as empresas fazem uso da lei de renúncia fiscal para converter seus ônus com impostos em investimentos de marketing – o que faz com que se apóiem projetos comerciais que prometem visibilidade –, é na esfera pública que o artista pode encontrar subsídios para desenvolver seu trabalho e sobreviver – de maneira inconstante e incerta, que seja. Os editais públicos são de fundamental importância no desenvolvimento e aprofundamento da arte e da cultura do país. Se não fossem esses editais, grandes filmes não existiriam.

Depois de realizarmos três longas-metragens sem qualquer tipo de apoio institucional, juntando as moedas dos bolsos e reunindo nossos amigos apaixonados, estamos vivendo agora uma nova experiência, que é o de termos em mãos um projeto de um filme que inevitavelmente precisa de dinheiro para ser realizado. A ideia do filme nasce de uma proposta de parceria com a Vânia Catani, da Bananeira Filmes – que entra como co-produtora – e se transforma num projeto, nosso primeiro projeto. Viemos nos dedicando à elaboração desse projeto desde Setembro de 2010, tendo ainda esse ano participado com ele de um encontro de co-produção internacional na Mostra Cine BH junto com outros projetos de realizadores que como nós vêm realizando os filmes com muita dedicação e trabalho. Após essa experiência decidimos inscreve-lo no IX Edital de Cinema e Vídeo da Secretaria de Cultura do Ceará. E foi o desgaste e decepção desse processo que nos levou a escrever essa carta.

Primeiro nos deparamos com um edital extremamente mal elaborado, confuso e incoerente. Um edital que certamente foi elaborado por pessoas que não fazem ideia do que é o processo de feitura de um filme, burocratas que reproduzem modelos sem um gota de reflexão. Não bastasse isso, de repente, algumas semanas depois que o edital foi lançado, a Secult substitui o pdf que havia publicado no site por um novo, alterando e incluindo itens, e faz isso sem dar qualquer satisfação a respeito da mudança. O arquivo é simplesmente substituído. Quando nos deparamos com as duas versões do edital, não acreditamos. Algumas pessoas só descobriram essa mudança no penúltimo dia e correram um grande risco de serem desclassificadas simplesmente por não entregarem as 05 vias impressas do projeto, novo item adicionado na nova versão.

Depois de entregue o projeto, ficamos sabendo através de um amigo que a Secult tinha divulgado no site uma lista de projetos desabilitados por questões jurídicas, projetos que teriam 5 dias a partir da publicação no site para recorrer. Só 3 dias depois dessa publicação fomos comunicados oficialmente, ou seja, se não tivéssemos sido informados por alguém que por sorte entrou no site (essa publicação não tinha data prevista), teríamos apenas 2 dias para recorrer. Ficamos revoltados com isso, só não mais revoltados que com o motivo pelo qual tínhamos sido desabilitados: a exigência de um documento que não é obrigatório a nenhuma produtora, só à associações, e portanto, um documento que não temos, nem precisamos ter. Alegamos isso e obviamente o projeto foi habilitado novamente. Como o nosso, sabemos de outros projetos que foram desabilitados por equívocos como esse. O projeto do Armando Praça, Greta Garbo (finalista no Edital do MINC para o B.O), foi desabilitado porque ele mandou o currículo dele e não o da produtora. Ora, a produtora do Armando é ele, inclusive se chama Armando Pinto Praça Neto. O currículo da produtora é o currículo dele! O Armando tentou recorrer e explicar isso, mas foi eliminado do edital. Isso nos parece ou estupidez ou má fé.

As aberrações continuam. Algum tempo depois de resolvida essa situação, recebemos o comunicado de que vamos participar de um pitching para a seleção dos projetos. EM ABSOLUTAMENTE NENHUM ITEM DO EDITAL EXISTE A MENÇÃO À SELEÇÃO ATRAVÉS DE PITCHING! E como isso não estava previsto, a data para que isso acontecesse tampouco, Ivo Lopes Araujo foi eliminado do edital porque o pitching dele foi marcado para uma data em que ele não estava na cidade. Ivo estava em Recife fotografando um filme e obviamente não poderia sair do set, voltar para Fortaleza para participar de um pitching surpresa! Seu projeto caiu. Quando reclamamos isso na Secult disseram que quem está esperando o resultado de um edital tem que estar atento e disponível.

No primeiro dia de pitching, Halder Gomes precisou fazer uma enorme confusão (muito justa!) porque o projeto dele não havia sido desabilitado juridicamente e ao mesmo tempo não estava na lista dos projetos que seriam avaliados no pitching. E já que não houve nenhuma pré-seleção de projetos, automaticamente todos os projetos que foram habilitados participariam do pitching, logo, o projeto dele deveria estar lá. Os funcionários da Secult ficaram numa saia justa e o Halder foi encaixado na apresentação (no horário que seria do Ivo). A coisa é tão esculhambada que no site da Secult saiu uma matéria falando sobre a qualidade e idoneidade do processo de seleção, com uma foto do Halder apresentando seu projeto, enquanto este não estava sequer listado na própria matéria. Se o Halder estivesse viajando como o Ivo, também teria caído sem explicações.

Outra barbaridade: um outro proponente, que apresentou seu projeto no mesmo dia que nós, foi avisado pela Secult que participaria de um pitching às 8 horas da manhã do mesmo dia em que estava marcada a sua apresentação para às 10 da manhã. É inadmissível um proponente ficar sabendo que vai ter que defender seu projeto num pitching – novidade já bastante questionável –, ainda mais 2 horas antes da apresentação! Era evidente o seu nervosismo. Ficamos chocados com tamanho descaso e falta de atenção da Secretaria. Entramos no auditório para assistir à primeira apresentação, do projeto Currais (um dos ganhadores), e nos deparamos com uma situação oposta, agora de excesso de atenção. Durante a apresentação do projeto, um funcionário da Secult levanta o braço da plateia e começa (usando a mesma palavra que ele usou no dia) a "contribuir" com a apresentação, dando várias informações sobre o tema discutido. Na nossa apresentação ele nem ficou para assistir.

Consta no edital que a comissão de seleção dos projetos seria formada por 5 pessoas, 3 de fora do estado e 2 indicadas pela Secult. O pitching estava sendo realizado por 4 pessoas, as 3 de fora e 1 da Secult. Quando perguntamos pelo 5º, disseram que ele estava viajando e que já tinha dado as notas. Como assim? O processo de seleção é feito através de um pitching, mas 1 dos 5 jurados deu as notas apenas lendo os projetos? Como ter a certeza de que uma Secretaria tão desorganizada como essa teve o cuidado e a integridade necessários a uma seleção? Essas notas têm que ser tornadas públicas! Principalmente pelo fato de que as notas mais altas e mais baixas foram eliminadas e a partir disso tirou-se uma média. Quem fez esse cálculo? Dada a incompetência evidente em todo o processo, temos dúvidas a respeito da capacidade de alguns em somar e dividir.

Mais outra barbaridade: Estávamos nós apresentando nosso projeto, quando percebemos algo estranho: os jurados manifestaram algumas dúvidas que estavam muito bem explicadas no projeto. Percebemos então que eles não tinham com eles os projetos em mãos e então perguntamos se eles haviam lido o projeto. Ao mesmo tempo que o funcionário da Secult respondeu "lemos", os outros 3 jurados de fora disseram que não. Ao insistir na pergunta os 3 jurados disseram (bastante constrangidos) que os projetos haviam sido enviados para a casa deles pela Secult na véspera deles terem vindo para Fortaleza e, portanto, jurados e projetos se desencontraram. As 05 vias que o edital nos exigiu não chegou às mãos dos jurados antes do pitching. COMO PODE UMA BANCA DE PITCHING AVALIAR PROJETOS QUE NÃO FORAM LIDOS? É possível acreditar que o tal 5º jurado, diferente dos outros, já tivesse recebido os projetos, lido e avaliado? É inadmissível que um proponente passe 1 hora apresentando seu projeto supondo que ele foi lido pelos jurados, mas que na verdade estes não fazem ideia do que ele está falando! E isso não ser posto a priori! Se não tivéssemos percebido algo estranho e perguntado, não saberíamos desse absurdo.

Depois de tudo isso, o resultado que é anunciado para o final de novembro leva quase um mês para ser divulgado e quando é finalmente divulgado, a SECULT lança a notícia às duas da manhã do dia 23 de dezembro sem coloca-la na página inicial do site como deveria ser o caso de uma informação dessa importância. E se o atraso se justifica, como sempre, pela burocracia das coisas, o descaso não tem justificativa. Foram várias as vezes que ligamos para a Secult para perguntar sobre essa divulgação e seus funcionários diziam, todos os dias durante duas semanas, que o resultado saía hoje. E um certo dia, há uma semana da data em que o resultado foi finalmente divulgado, falaram que saía em 10 minutos (nesse momento entendemos o que são 10 minutos numa repartição pública). Ser um artista e ter que lidar com essa configuração é desesperador.


Não queremos de maneira alguma questionar a qualidade dos projetos vencedores, mas nos é impossível não questionar todo o processo. Estamos nos informando onde é possível agir legalmente, já que fica evidente um completo desrespeito de procedimentos básicos de um edital, assim como o desrespeito e descaso com o artista.